“COMUNIDADES” EM DEBATE NA CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE BERLIM EM 2010

Par Rosa Elizabeth Acevedo Marin, UNAMAZ

Elinor Ostrom, a intelectual contemporânea que se associa imediatamente ao debate sobre os Comuns, sublinha a complexidade intrínseca à ação coletiva e de recursos comuns, destacando a importância da realidade local. Sobre essa perspectiva é possível reexaminar as metas, os discursos de vários atores que convergiram para a Conferência Internacional dos Comuns – organizada pelo ICC para a Fundação Heinrich Boll Stiftung. O objetivo destas páginas é elaborar uma reflexão sobre o senso prático deste evento.

Mais de duzentas pessoas provenientes de 29 países, vinculados com universidades, instituições de pesquisa, fundações, ongs, partidos políticos e profissionais independentes (jornalistas, autores, comunicadores, advogados, consultores, bloggers, produtores de cinema) se reuniram nas grandes conferências e nos grupos de trabalho.

Para parte deles o debate sobre os Comuns constitui o eixo de sua atividade profissional e/ou militante; para outros, familiarizados com maior profundidade sobre o tema, consitutui a proposição de uma plataforma de base; para muitos representa uma politização que é identificada na expressão “comuneros” no sentido de afiliação a uma ideia, uma meta e um combate. Quer dizer, a formulação de um projeto futuro centrado nos Comuns, encontrarando uma ‘utopia’ que represente a saída da crise econômica, ecológica e social das sociedades contemporâneas.

Mas que significados reunem estas noções de Comuns, interesse comum, procomuns ? Esses significados Comuns, interesse comum, procomuns estão em discussão. O que interpretam, por tal, os Indígenas na Amazônia, na Patagônia, os autóctones na Índia, o bushinengues no Suriname ou «quilombolas» na Colômbia e no Brasil ? Sabe-se que eles pensam a respeito dos Comuns de maneira diferente à classe média mundial e, igualmente, eles têm definições diferentes quanto à natureza e às formas de utilização dos bens provenientes da natureza.

Parece contraditório situar o centro do debate em uma certa ideia ou modelo de administração comunitária de recursos naturais. Isto porque sua diversidade não é passível de redução às proposições políticas universalistas, que mesmo muito bem justificadas podem produzir visões colonialistas dos povos.

O conhecimento sobre os sistemas de uso comum representa um sujeito priorário, sobre o qual é necessário desenvolver um olhar crítico de maneira a evitar formular ideias e políticas hegemônicas a propósito do ‘outro’ cultural, o que não foi certamente o objetivo desta Conferência.

Portanto, deve-se admitir e revelar a complexidade dos agentes sociais que elaboram e defendem as condições legais e políticas para apoiar e desenvolver os recursos comuns e que, em geral, encontram-se em situações locais muito desfavoráveis, haja vista a pressão dos mercados de terra, dos preços de commodities, à implantação de políticas e projetos econômicos e de conservação da natureza que obstaculizam as práticas e sistemas de uso comum da fauna, florestas e território de povos e comunidades tradicionais.

As políticas agrárias e ambientais criaram antagonismos contra os sistemas de uso comum de recursos naturais praticados pelos povos e comunidades tradicionais na América, Ásia e África. Na maioria dos países, é visível a insuficiência das leis e políticas coerentes com as terras tradicionalmente ocupadas; essas terras têm a necessidade de proteção fundamental orientada por princípios de inalienabilidade, imprescriptibilidade e, nesse mesmo sentido, a sua restituição e ampliação. É nesse quadro que se situam as novas identidades coletivas e as organizações políticas dos povos e comunidades tradicionais.

Observe-se que uma visão muito europeia dos Comuns que ficou exposta na Conferência, precisa travar diálogos profundos para compreender as inovações e demandas sobre as questões centrais da gestão do território, dos lugares para os povos e comunidades da América, África e Ásia onde persistem e resistem os sistemas de uso comum e a cultura de sua prática. No tempo presente, a pesquisa desses sistemas de uso implica compreender essa concepção de propriedade, assim como suas lutas pela sua otimização e pelo reconhecimento integral de direitos etnicos, territoriais, culturais.

Os sistemas de uso comuns no Brasil sobre a pressão de políticas agrárias e ambientais

O primeiro Encontro Nacional das Comunidades Tradicionais, realizado em Brasília (Distrito Federal, 2005), reuniu 80 representantes: Povos Indígenas, Quilombolas, Agroextrativistas, Gerazeiros, Vazanteiros, Seringueiros, Quebradeiras de Coco Babaçu, Pantaneiros, Ciganos, Pescadores Artesanais, Caiçaras, Pomeranos, Comunidades de Terreiro, Fundos de pasto, Faxinalenses e Ribeirinhos do São Francisco.

Dentre as onze demandas prioritárias que esses povos apresentaram, figuram a regulação fundiária e o acesso aos recursos naturais, a resolução dos conflitos em torno da criação de unidades de conservação e de proteção integral, a garantia da segurança para as comunidades tradicionais, o reconhecimento e o fortalecimento das organizações sociais e a proteção contra os impactos de grandes projetos.

Essas demandas pesam sobre os meios de existência social e cultural que sofrem pressões da parte de políticas governamentais e de grandes estruturas econômicas, presentes em todas as regiões do Brasil.

Almeida (20081) interpreta que os sistemas de uso comum, analiticamente, designam  « situações na quais o controle dos recursos básicos não é exercido livre e individualmente por um determinado grupo doméstico de pequenos produtores diretos ou por um de seus membros ». Estes são constituidos por « normas específicas instituídas para além do código legal vigente e que são acatadas, consensualmente nos meandros das relações sociais estabelecidas entre vários grupos familiares, que compõem uma unidade social ». Esses sistemas expressam tanto um acesso estável à terra, tal como ocorre em áreas de colonização antiga, quanto evidenciam formas relativamente transitórias, intrínsecas às regiões de ocupação recente.

Essa interpretação constitui uma ruptura com as visões estritamente históricas dos povos tradicionais como dos objetos do passado, e sublinha a atualidade e a presença político-organizatória dos agentes sociais que reinvindicam os direitos dos territórios integrais.

Elinor Orstom demonstrou que a administração comunitária de recursos naturais é mais eficaz que a administração privada, reduzida aos negócios. Mas esta administração tem como ‘condição de possibilidade’ o reconhecimento de direitos territoriais e étnicos.

Neste plano, ainda é necessário fazer a lista de questões que dizem respeito aos Comuns. Uma delas diz respeito à Ciência, concebida como um bem comum, produto de uma construção coletiva, pelo que necessitaria ser institucionalizada, também, para orientar resultados, ações coletivas, para dar apoio aos povos e às comunidades tradicionais do planeta.

1 ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de quilombo, terras indígenas, “babaçuais livres”, castanhais do povo, faxinais e fundos de pasto: terras tradicionalmente ocupadas. 2. ed. Manaus: PPGSA-UFAM, 2008.

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